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3 Poemas de Verão | Poema do mês #5

2020 foi – e está a ser – um ano diferente, excecional (ainda que não por boas razões) e a apelar à capacidade de resiliência de todos nós.

A necessidade de adaptação, força e esperança acentuou-se numa altura em que todos sentimos, mais ou menos, as dificuldades da privação do nosso espaço e o medo de algo invisível.

Tal como dissemos no anterior “Poema do Mês” as palavras assumiram uma dimensão e importância acrescida porque substituíram os atos e os gestos que sempre assumimos como adquiridos:

Deixamos de beijar para explicar o quanto gostaríamos de o fazer; deixamos de abraçar para falar sobre abraços.

 

Ainda assim, escolhemos 3 poemas de Verão para a nossa rubrica Poema do Mês

São dias diferentes estes, um verão distinto dos que vivemos até então, mas há sol e mar e dias longos e gelados.

E 3 poemas de verão que selecionamos. Esperamos que goste,

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poemas de verão

As amoras

O meu país sabe às amoras bravas
no verão.
Ninguém ignora que não é grande,
nem inteligente, nem elegante o meu país,
mas tem esta voz doce
de quem acorda cedo para cantar nas silvas.
Raramente falei do meu país, talvez
nem goste dele, mas quando um amigo
me traz amoras bravas
os seus muros parecem-me brancos,
reparo que também no meu país o céu é azul.

Eugénio de Andrade

 

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No Entardecer dos Dias de Verão

No entardecer dos dias de Verão, às vezes,
Ainda que não haja brisa nenhuma, parece
Que passa, um momento, uma leve brisa…
Mas as árvores permanecem imóveis
Em todas as folhas das suas folhas
E os nossos sentidos tiveram uma ilusão,
Tiveram a ilusão do que lhes agradaria…
Ah, os sentidos, os doentes que vêem e ouvem!
Fôssemos nós como devíamos ser
E não haveria em nós necessidade de ilusão …
Bastar-nos-ia sentir com clareza e vida
E nem repararmos para que há sentidos …
Mas graças a Deus que há imperfeição no Mundo
Porque a imperfeição é uma cousa,
E haver gente que erra é original,
E haver gente doente torna o Mundo engraçado.
Se não houvesse imperfeição, havia uma cousa a menos,
E deve haver muita cousa
Para termos muito que ver e ouvir …

Alberto Caeiro

poemas de verão

O Canto da Chávena de Chá

Poisamos as mãos junto da chávena
sem saber que a porcelana e o osso
são formas próximas da mesma substância.
A minha mão e a chávena nacarada
– se eu temperar o lirismo com a ironia –
são, ainda, familiares dos pterossáurios.
A tranquila tarde enche as vidraças.
A água escorre da bica com ruído,
os melros espiam-me na latada seca.
É assim que muitas vezes o chá evoca:
a minha mão de pedra, tarde serena,
olhar dos melros, som leve da bica.
A Natureza copia esta pintura
do fim da tarde que para mim pintei,
retribui-me os poemas que eu lhe fiz
de novo dando-me os meus versos ao vivo.
Como se eu merecesse esta paisagem
a Natureza dá-me o que lhe dei.
No entanto algures, num poema, ouvi
rodarem as roldanas do cenário,
em que as palavras representavam
a cena da pintura da paisagem
num telão constantemente vário.
Só o chá me traz a minha tarde,
com a chávena e a minha mão que são
o mesmo pedaço de calcário.
Hoje a bica refresca a água do tanque,
os melros descem da latada para o chão,
e as vidraças devagar escurecem.
As palavras movem-se e repõem
no seu imóvel eixo de rotação
o espaço onde esta mesa de verga
gira nas grandes nebulosas.

Fiama Hasse Pais Brandão

 

Gostou da nossa seleção de poemas de Verão?

Tem algum preferido?

Conte-nos tudo nos comentários e até breve.

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