Todos os dias, ao transcrever, damos de caras (ou melhor, de ouvidos) com expressões portuguesas curiosas e que, fazendo parte do nosso vocabulário nem sempre nos questionamos qual a sua origem. Na verdade, na maioria das vezes, usamo-las diariamente sem perceber que não fazem lá grande sentido.
Portanto, imbuídos do nosso espírito curioso, reunimos 10 expressões portuguesas e fomos à procura da sua origem e significado.
1. Sangria desatada
Quantas vezes já ouvimos alguém dizer, num certo e determinado contexto: “também não é uma sangria desatada”?
Várias ou nem por isso?
Nós ouvimos imensas vezes. E, para esclarecer decidimos questionar-nos: o que é que isso quer dizer?
Por exemplo, estamos a falar daquela bebida feita com bom vinho e boa fruta, servida com um belíssimo pau de canela e uma folhinha de hortelã?
Ou, por outro lado, estaremos a falar de um sangramento que não está amarrado num laçarote?
E se sim, como é que se dá um laçarote a um pedaço de sangue? E para quê?
Na verdade, e em suma:
Significa: que algo precisa de uma solução ou realização rápida, imediata.
Exemplo de utilização: “vamos lá então acabar esta transcrição que isto é uma sangria desatada”. Ou na negativa: “não precisas de perder a noite a transcrever isso. Tens prazo. Não é uma sangria desatada”.
Origem: nas guerras onde se verificava a necessidade de cuidados especiais com os soldados feridos. Na verdade, alguns tratamentos imediatos consistiam em amarrar as feridas dos soldados para evitar que estes morressem através da perda de sangue. O “tratamento” tinha de ser imediato/rápido uma vez que a perda de sangue se dá a grande ritmo. Daí a urgência associada à expressão.
2. Ter para os alfinetes
Certamente que não é difícil adivinhar o significado: ter dinheiro para gastos pessoais.
Mas, qual a origem?
Em primeiro lugar, é necessário recuar a um tempo em que os alfinetes eram considerados objetos de adorno feminino, muitas das vezes bastante caros.
Consequentemente, para os adquirir muitas mulheres precisavam de poupar dinheiro, gastando-o depois nestes objetos pessoais.
Acontece que com o passar do tempo os alfinetes deixaram de ser considerados um objeto só de adorno, passando a ser acessíveis e úteis. Mas a expressão continuou.
Curioso é que a mesma chegou a ser acolhida no Código Civil Português, aprovado por Carta de Lei de Julho de 1867, no artigo 1104:
«A mulher não pode privar o marido, por convenção antenupcial, da administração dos bens do casal; mas pode reservar para si o direito de receber, a título de alfinetes, uma parte do rendimento dos seus bens, e dispor dela livremente, contanto que não exceda a terça dos ditos rendimentos líquidos.»
Nada machista, pois não?
3. Jurar a pés juntos
Por isso, juramos a pés juntos que…
- não partimos aquele objeto que a nossa mãe gostava tanto;
- não fomos nós que começamos a briga com o nosso irmão mais novo; ou,
- não chegamos nada atrasados à catequese.
Mas qual o motivo de juramos a pés juntos? Porque não separados?
Simples (e pouco simpático):
Esta expressão surgiu devido às torturas executadas pela Santa Inquisição, onde o acusado de heresias tinha as mãos e os pés amarrados (juntos) e era torturado para dizer a verdade (ou a mentira, claro, se a tortura parasse).
Atualmente, no início de um depoimento numa audiência de discussão e julgamento ainda se jura dizer-se a verdade e só a verdade (pode saber um pouco mais sobre isto aqui). Mas não é preciso ter os pés juntos.
E há até quem faça figas com os dedos.
4. Tirar o cavalo da chuva
Disse, não disse?
Mas, o que é que queria afirmar com isso?
Provavelmente que mais valia a outra pessoa desistir daquela pretensão, perder as ilusões quanto a qualquer coisa.
Por outro lado, pensando bem, qual a ligação entre um cavalo estar à chuva e a outra pessoa esperar sentada por algo?
A expressão remonta ao século XIX. Nessa altura, quando uma visita iria ser breve, deixava o cavalo em frente à casa do anfitrião. Já se fosse demorar, colocava o cavalo nos fundos da casa, protegendo o animal da chuva (e do sol, vá). No entanto, o convidado só poderia proteger o cavalo da chuva se o anfitrião gostasse da visita e lhe dissesse: “Pode tirar o cavalo da chuva”.
5. Dourar a pílula
Portanto, a questão que se coloca: o que significa dourar a pílula?
Simples! Usamos esta expressão quando queremos dizer que se pode melhorar a aparência de algo. Quando queremos apresentar algo difícil ou desagradável como uma coisa mais suave e mais fácil de aceitar. É como… um eufemismo:
“Quer dizer que me deixaste pendurada, mas foi porque te sentiste intimidado com a minha beleza? Não estejas agora a dourar a pílula”; ou,
“Na verdade, tu não estás gordo. Tens apenas mais fofura na barriga. E nem estou a dourar a pílula.”
E qual a origem desta expressão?
Antigamente, as farmácias embrulhavam as pílulas em papel dourado, para melhorar o aspeto do remédio. Na verdade, o sabor não mudava em nada e era quase sempre amargo. Mas o facto de o comprimido estar revestido num papel dourado (a fazer lembrar ouro, algo luxuoso) tornava-o mais bonito e apelativo à compra.
Ou seja: mascarava-se a realidade tentando que algo desagradável fosse apresentado de forma mais suave.
E a verdade é que ainda hoje resulta, não acha?
6. Favas contadas
Claro que, à partida, perceberá intuitivamente o que lhe está a ser dito, mas se pensar bem no assunto… o que significa favas contadas?
Quer dizer que há um racionamento da leguminosa e só podemos comer umas quantas?
E qual a relação disto com o contexto de certas conversas como: “Tenho tanto medo deste exame…”, “Não te preocupes. Isso são favas contadas!”?
Explicando: esta é uma de várias expressões tipicamente portuguesas e significa que alguma coisa será certa, que não há motivos para preocupação. Que há expectativa de um resultado favorável e previsível.
Mas qual a ligação entre favas e o significado atribuído à expressão?
Ao que se pode apurar, a expressão é muito antiga e surge da forma como era feita a eleição do abade em muitos mosteiros medievais. Nessa altura utilizavam-se favas de cor preta e favas de cor branca, que eram distribuídas pelos votantes. No ato de votação cada votante depositava uma das favas numa bolsa sendo que, na contagem dos votos, as favas brancas significavam um sim e as favas pretas um não. Assim, quem tivesse o maior número de favas brancas estava eleito.
Muito mais simples que o voto eletrónico, não?
7. Rés-vés Campo de Ourique
O que significa?
Ficar bem perto de conseguir ou atingir algo. Por exemplo: “este estacionamento foi mesmo rés-vés Campo de Ourique”. Que é como quem diz “mais um bocadinho e davas cabo do espelho do carro”.
E qual a sua origem?
Em 1755 um terramoto assolou Lisboa a 1 de novembro e quase destruiu a cidade toda.
Já o bairro de Campo de Ourique ficou intacto pelo que começou a usar-se a expressão “foi rés-vés Campo de Ourique” com o intuito de dizer “foi quase, quase também destruído”.
8. Isso são outros quinhentos
Normalmente usamos a expressão quando queremos dizer “que isso é outra coisa, outra situação, que não vem agora ao caso”. Por exemplo:
“Estava a comer um bife com batata frita quando um sujeito apareceu (vinha acompanhado de um cão enorme, mas isso são outros quinhentos) e me pediu cinco euros.”
E de onde surge a expressão?
A maioria das pesquisas indicam que nasceu a partir de uma lei que vigorou na península ibérica no século XIII. Segundo a mesma, quem ofendesse um nobre tinha de lhe pagar 500 soldos. Se reincidisse e voltasse a ofender teria de pagar “outros quinhentos”. A expressão pegou e daí ficou.
Ah! Parece que se o ofendido não fosse um nobre a multa era só de 300 soldos, o que nos parece uma grande discriminação. Mas lá está, isso são outros quinhentos.
9. Ter o rei na barriga
É facto: acusarem-nos de ter o rei na barriga não é coisa boa.
Mas sempre foi assim?
Não. E prova disso é o surgir desta expressão.
Durante o período da monarquia portuguesa, uma das notícias mais festejadas pelo reino era a de que o rei teria um herdeiro para sucedê-lo. Logo, o que é que acontecia à rainha quando estava grávida? Passava a ser mais mimada, tratada com mais atenção e cuidado uma vez, em termos práticos, ela estava a gerar o futuro príncipe e o futuro do reino.
Perante tanto mimo, era normal que a rainha se começasse a sentir mais importante do que todas as outras pessoas, adquirindo esse ar mimado, arrogante de… quem tem o rei na barriga!
(No fundo, das várias expressões tipicamente portuguesas que avançamos, esta é a que gostamos mais).
10. Maria vai com as outras
Ouvimo-la quando alguém quer dizer que aquela pessoa não tem opinião própria, não tem vontades ou sente dificuldades em tomar decisões. Quando se quer dizer que a pessoa em causa tem pouca personalidade uma vez que concorda com tudo o que lhe dizem, não tendo uma opinião critica sobre esse assunto.
“Não aprende. É mesmo uma Maria vai com as outras”.
Mas quais outras?
Na verdade, podemos responder a esta questão ao percebermos que esta expressão surge associada a Dona Maria I, rainha de Portugal, mãe de D. João VI, popularmente conhecida como “A Louca”.
Dona Maria I tinha sérios problemas mentais que a impediam de governar, por isso foi afastada do trono e passou a viver praticamente privada da sua liberdade, só saindo para caminhar com as suas damas de companhia:
Era a Maria que ia com as outras! E que, coitada, não tinha poder algum sobre nada da sua vida.
No fundo, bem triste, não é?
Agora é tempo de perguntar: qual das expressões gosta mais?
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